A ESPERA
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Konimbria II era a ultima cidade habitada do mundo. Todas as outras estavam reduzidas a escombros. Apenas algumas ratazanas haviam sobrevivido alimentando-se dos cadáveres putrefactos.
Os habitantes de Konimbria não se atreviam a sair das muralhas metálicas feitas à pressa. Cá fora reinava a desolação total.
Cassandra passava os dias na mais alta torre da cidade. Esperava pacientemente. Que podia esperar? Não sabia. Obedecia apenas a um estranho impulso que lhe dominava a vontade.
Tinha sido a ultima a nascer. Há vinte anos que não nascia mais ninguém. Os homens tinham-se tornado estéreis.
Do alto da sua torre podia ver o seu povo em lenta agonia. Homens e mulheres caminhavam de cabeça baixa e olhar vazio. Já ninguém se recordava de como era o som de uma gargalhada. Haviam chegado ao ponto de nem sequer terem animo para enterrar os mortos. um odor nauseabundo pairava sobre a cidade. Quando os alimentos escasseavam envolviam-se em lutas sangrentas por um pedaço de pão. O seu aspecto era sinistro: pele amarela pardacenta, lábios gretados, desprovidos de dentes e de cabelo, profundas olheiras em torno de olhos amarelados. Vestiam qualquer pedaço de tecido. Alguns, completamente alheados de si mesmo, já nem vestiam nada. Misteriosamente, Cassandra era uma excepção. Mantinha o aspecto normal de uma bela jovem dos tempos áureos da humanidade e vestia um belo vestido de seda escarlate que nunca envelhecia.
Cassandra continuava à espera. Por vezes, também ela desanimava. Olhava o mar envenenado e povoado de horrendas criaturas mutantes, também elas em lenta agonia. Os monstros também sofrem. Dali não viria nada de bom. À noite observava o cosmos, mas também ele se mostrava indiferente pela morte anunciada de um dos seus grãos de poeira. Que podia esperar Cassandra?
Um dia desencadeou-se uma terrível tempestade. O povo abrigou-se temendo a habitual chuva acida mortalmente corrosiva. Cassandra, obedecendo aquele impulso que lhe vinha de dentro, expôs-se à chuva sem qualquer receio. A água pura e fresca percorreu-lhe o corpo e uma estranha onda de prazer começou a apoderar-se dela. A chuva aumentou de intensidade e Cassandra despiu-se para melhor sentir aquele caudal de energia vinda do céu. O seu corpo estremeceu atingido por um turbilhão de emoções nunca antes sentida. Cassandra gritou de prazer aterrorizando os outros habitantes da cidade. A chuva foi parando, mas ela continuava a deliciar-se com as ultimas gotas.
Quando um raio de sol fintou as nuvens e lhe iluminou o rosto, Cassandra sorriu. O primeiro sorriso dos últimos anos. Um sorriso de esperança para ela e para o seu povo. Só ela sabia porquê. Mesmo por mera intuição e sem qualquer explicação lógica sabia que algo de mágico e sublime lhe tinha acontecido. Agora sabia que tinha valido a pena esperar.
Agora sabia que a sua espera tinha terminado.
Cassandra estava gravida.
FIM
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